Política

Caso Marielle: ‘Polícia, política e crime sempre estiveram atrelados no Brasil’, diz coordenadora da ONG Rio de Paz

As investigações que levaram às prisões do deputado federal Chiquinho Brazão (ex-União Brasil-RJ), do seu irmão, Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), e de Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do estado, realizadas neste domingo (24), revelam como o poder e a milícia estão bastante atrelados no estado fluminense.

Nesta segunda (25), a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu manter presos os apontados como mandantes dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista dela, Anderson Gomes. O caso ganha desdobramentos finais mais de 6 anos depois do crime, que aconteceu em 14 de março de 2018.

Coordenadora do Núcleo de Ativismo da ONG Rio de Paz, Fernanda Vallim Martos diz que as descobertas mostram “crueldade” e expõem uma relação histórica entre setores que não deveriam se misturar.

“Muito chocante essa revelação, e com requintes de crueldade. Porque o Rivaldo foi lá abraçar a família, foi dizer que as coisas iam se resolver num momento de dor muito grande. O primeiro telefone dado pelo Marcelo Freixo foi para ele e ele se dispõe a resolver e a gente fica muito chocado. Teoricamente, a gente vive num Estado Democrático de Direito, mas os agentes da lei, ao que consta pra nós enquanto sociedade, parecem estar todos cooptados”, diz Fernanda.

“Isso é um processo histórico no Brasil. Polícia, política e crime sempre estiveram atrelados. Isso é cultural no nosso país, infelizmente. Desde Canudos, desde o caso do Chico Mendes, desde o caso de Dorothy Stang, entre outros ativistas e defensores populares que foram martirizados”, afirma.

Conforme indicou o relatório da Polícia Federal, a motivação do crime contra Marielle foi o fato de a parlamentar atuar contra um esquema de loteamento de terras em áreas de milícia na Zona Oeste do Rio. Assim, a vereadora estaria atrapalhando os interesses dos irmãos Brazão, como afirmou o ex-policial militar Ronnie Lessa, executor do crime, em delação premiada.

Domingos e Chiquinho Brazão são políticos com longa trajetória no Rio, de uma família com reduto eleitoral na zona oeste da cidade. Ao monitorar Marielle, os dois tiveram a indicação de que a vereadora “pediu para a população não aderir a novos loteamentos situados em áreas de milícia”.

“O assassinato da Marielle é um golpe na nossa democracia, porque essa relação tão embricada entre polícia e política vai minando a democracia por dentro. Tudo que mina a democracia detona os direitos conquistados, porque a partir de um domínio territorial na base da força, você não tem mais democracia naquele território, você não tem mais direitos naquele território. Tudo passa a ser mediado por aquela força que domina aquele lugar”, argumenta a coordenadora da ONG Rio de Paz.

Assim como o ex-PM Élcio de Queiroz e o ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, presos pelo envolvimento no crime, Lessa também está detido. Ele teria sido o autor dos disparos que mataram Marielle e a contrapartida seria ganhar um dos loteamentos futuros. O delegado Rivaldo assumiu a chefia da Polícia Civil do Rio de Janeiro um dia antes dos assassinatos. Ainda deve ser investigado se há relação entre a data de nomeação e a execução do crime.

“Se o golpe tivesse logrado ou se Bolsonaro tivesse sido reeleito, nós não teríamos a solução desse caso, porque veja: o [Walter] Braga Netto, ministro da Casa Civil, candidato a vice-presidente, era o interventor na época do assassinato da Marielle. Ele que nomeia o Rivaldo. Essa investigação precisa aprofundar nisso. Foram cinco anos de enrolação e foram destruídas provas, a gente não tem mais as imagens de câmeras do condomínio, do Ronnie Lessa, do trajeto completo que o carro fez”.

Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça e Segurança Pública, deu o caso Marielle como encerrado “por hora” pela Polícia Federal e demais autoridades federais. Porém, não descarta novos caminhos de investigação caso surjam elementos para tal. Fernanda, no entanto, cobra ações dos órgãos responsáveis para combater a infiltração de criminosos no poder público.

“No caso do Rio de Janeiro, a infiltração das milícias no poder público acontece há mais de 30 anos. E 57% do território é dominado hoje por milícia. Uma coisa dessa não tem como prosperar se não tiver altamente atrelada e infiltrada no poder público. Então, essa investigação do assassinato da Marielle, que o Ministério Público está dando meio que como encerrada, tem que ter desdobramentos, tem que aprofundar muito para a gente poder ir nos intestinos dessas ligações de polícia, política e crime. Precisa ver uma devassa, uma investigação profunda no poder público, porque senão ninguém mais dorme tranquilo nesse país”, conclui.

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Wecoa Silva

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